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DarwinTunes: A música também pode evoluir pela sobrevivência da melodia mais forte

A teoria de Darwin não se extingue na evolução natural das espécies. Uma equipe do Imperial College de Londres provocou a seleção natural na música e conseguiu fazer com que esta evoluísse. O trabalho foi publicado nesta terça-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

A propagação e a perpetuação de determinadas canções também depende da preferência dos ouvintes  
A propagação e a perpetuação de determinadas canções também depende da preferência dos ouvintes
 

“Supõe-se muitas vezes que a música que ouvimos é o produto de uma decisão estética feita pelos produtores [de música], como compositores e músicos. No entanto, a reprodução, a propagação e a perpetuação de determinadas canções também depende da preferência das pessoas que ouvem as músicas”, explica o artigo da equipe Robert MacCallum.

A equipe resolveu testar a seleção natural na evolução da música. Para isso, MacCallum e os seus colegas criaram um site na Internet chamado DarwinTunes. Através de um software, os cientistas produziram um conjunto de sons eletrônicos de pequena duração, que se repetiam.

Disponibilizaram este conjunto de sons no site. Quem quisesse, podia avaliar cada som numa escala que ia de um (“insuportável!”) até cinco (“adoro!”). As melodias menos votadas deixavam de fazer parte do estudo, as mais votadas cruzavam-se entre si, produzindo novos sons, que por vezes, e para imitar o que se passa na natureza, traziam novas mutações. Ou seja, pequenas variações sonoras que aumentavam a diversidade do conjunto de melodias.

Esta nova “geração” de melodias voltava a ser avaliada pelos ouvintes do DarwinTunes, recomeçando o processo e criando uma terceira “geração” de sons, que mais uma vez resultavam do cruzamento das melhores melodias votadas. Ao fim de 2513 gerações de melodias, que foram selecionadas por 6931 ouvintes, “os sons em loop rapidamente evoluíram para música, em parte devido ao aparecimento de acordes e ritmos agradáveis”, explica o artigo.

“O DarwinTunes modela apenas a seleção ao nível do consumidor individual”, explica Matthias Mauch, que integrou esta investigação e que trabalhou no Instituto Nacional para o Avanço da Ciência Industrial e Tecnologia, em Ibaraki, no Japão, e agora está na Universidade de Londres. De fora desta experiência fica o papel do compositor, determinante por fazer as escolhas estéticas, e a interação entre os consumidores que acontece no mundo real – quem avaliava as melodias no DarwinTunes não tinha acesso às classificações dadas pelas outras pessoas.

No entanto, a experiência “demonstra que apenas a seleção do consumidor individual isolada pode produzir um aumento na atração musical – as melodias tornaram-se mais belas”, explica Mauch. A equipe verificou este aumento de qualidade através da medição de padrões previamente definidos pela literatura científica, que foram depois confirmados pela avaliação independente de pessoas que ouviram o conjunto de sons de várias gerações de músicas.

Segundo Mauch, a tendência evolutiva destas melodias é única e depende da população que as ouve e classifica. “Se o estudo voltasse a ser feito com um grupo de japoneses, esperaríamos uma música mais enérgica, as pessoas na França iriam provavelmente procurar uma música mais rítmica”, especula.

Mas a evolução da qualidade da música, geração após geração, não é linear. Foi óbvia até por volta da 500ª geração. A partir daí, a qualidade das melodias produzidas pela seleção e cruzamento de músicas estabilizou. “A nossa melhor explicação é que os loops mais agradáveis tinham características demasiado frágeis para serem transmitidos fielmente para a próxima geração, um pouco como as mutações benéficas que não são passadas aos filhos”, exemplifica Matthias Mauch, se referindo a um problema não existe no mundo real, já que a transmissão fiel da música é um dado adquirido. “Bach morreu há mais de 250 anos, mas a sua música sobrevive.”
Num mundo em que o consumo da cultura, em geral, e da música, em particular, é cada vez mais fácil e imediato, será que a pressão do consumidor pode fazer com que a música degenere? “A evolução criou as mais bonitas e complexas plantas e animais. Mas, por outro lado, a evolução não tem consciência e há muito sofrimento no mundo animal. Qualquer que seja o processo que produza música haverá sempre alguma que as pessoas vão adorar ouvir e outras músicas que trarão ‘sofrimento’”, opina Mauch. A investigação vai continuar no DarwinTunes. A equipe quer produzir algoritmos que imitem o papel do produtor de música. Neste momento, já têm uma experiência com um novo sistema evolutivo e outra com sons de baterias, para fazer evoluir a percussão. Mas tal como a própria música, a investigação terá de ser melhorada: “Unificar a evolução da cultura feita em laboratório com a evolução cultural no mundo real é um dos desafios mais interessantes e mais difíceis que temos pela frente.”

Fonte: Publico.pt