Como a ciência pode ajudar a definir áreas prioritárias para o manejo do fogo e preservação de espécies no Pantanal
A ciência pode ajudar a responder a essas questões. Aliados à legislação, profissionais especializados e parcerias institucionais, os conhecimentos técnicos e científicos podem melhorar as ações de manejo após os grandes incêndios e ajudar na restauração ecológica e na preservação de espécies ameaçadas e/ou sensíveis ao fogo.
Foram essas as questões que motivaram um trabalho que teve início após o recorde de incêndios em 2020, a partir de uma parceria entre o Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul, o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA/UFRJ) e o Laboratório de Ecologia da Intervenção (LEI/UFMS).
O estudo gerou um primeiro artigo, publicado em 2022, que considerou as características climáticas para definir as áreas prioritárias para o Pantanal, utilizando como critério as formações florestais. O potencial de resiliência das áreas também foi levado em conta na identificação de ações e custos nas áreas prioritárias para restauração pós fogo.
Em setembro de 2024, publicamos na revista holandesa Ecological Engineering um novo artigo que, além da planície pantaneira, ampliou a área de análise para toda a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP). Nesse novo estudo, adicionamos um componente biológico: a distribuição potencial de 14 espécies de plantas ameaçadas de extinção (como o pau-santo) e/ou sensíveis ao fogo (como o jenipapo). Os incêndios têm grandes impactos nos indivíduos dessas espécies. Além disso, as áreas onde elas potencialmente ocorrem podem abrigar outras espécies que também seriam mais afetadas pelos incêndios.
Prevenção
No estudo, mapeamos as áreas com vegetação nativa (florestas, campos ou savanas) com alta tendência de risco de fogo: são áreas que queimaram há muito tempo (2003–2008) e que tiveram poucos incêndios desde então. Isso gera um potencial de biomassa acumulada com risco de incêndios. Em seguida, cruzamos essas informações com a potencial distribuição de espécies de plantas sensíveis e/ou ameaçadas de extinção.
Isso nos permitiu gerar um mapa com as áreas prioritárias para prevenção de incêndios, onde deverá ser feito o Manejo Integrado do Fogo (MIF), que é o uso do “fogo bom” de forma a prevenir os incêndios, “o fogo ruim”. O mapa também demonstra, de forma direta, áreas que necessitam de políticas públicas para criação e apoio a novas brigadas de incêndio, já que ele deixa evidente que existem grandes vazios geográficos onde existe a ausência de brigadas ao lado de áreas prioritárias para o MIF.
Estes dados estão sendo utilizados pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul para definir áreas prioritárias para o trabalho preventivo do Corpo de Bombeiros. Nessas áreas, a prioridade é fazer aceiro (faixas livres de vegetação para prevenir a propagação do fogo) no entorno das florestas para evitar que elas queimem, já que são as áreas com maior quantidade potencial de espécies sensíveis ao fogo e/ou ameaçadas.
Ao mesmo tempo, deve ser feita a queima prescrita no entorno imediato das áreas vermelhas do mapa, de modo a diminuir a potencial biomassa que poderia gerar incêndio nessas áreas prioritárias. A queima prescrita na época e condições ideais integra conhecimentos científicos e sociais com as tecnologias de manejo do fogo.
Restauração ecológica
O estudo mapeou também as áreas prioritárias para restauração. Para isso, iniciamos com uma análise das áreas com vegetação nativa (florestas, campos ou savanas) queimadas recentemente (2015-2022), com alta ou média intensidade e frequência de fogo. Ou seja, áreas que podem ter sido degradadas pelos incêndios. Em seguida, cruzamos essa informação com as áreas de potencial distribuição de espécies de plantas sensíveis e ameaçadas de extinção.
Como esse cruzamento gerou áreas prioritárias muito extensas, o que implica em um custo bastante alto, nos limitamos apenas às áreas de alta prioridade. O passo seguinte foi cruzar esses dados com o mapa de Potencial de Regeneração Natural, elaborado para o Ministério do Meio Ambiente em 2018.
Assim, identificamos áreas prioritárias com maior ou menor potencial de regeneração, o que resulta em diferentes estratégias de restauração. Em áreas com alto potencial de resiliência podem ser adotadas, por exemplo, estratégias de restauração passiva, como a condução da regeneração natural. Já nas áreas de baixo potencial de regeneração, devem ser usadas estratégias de restauração ativa, como os plantios de enriquecimento, com espécies sensíveis ou ameaçadas de extinção.
Para que essas diferentes estratégias de restauração possam ser efetivamente postas em prática, classificamos essas áreas também de acordo com a formação natural, a fim de facilitar a definição dessas estratégias conforme o tipo de vegetação (campo, floresta, savana ou área inundável).
No desenvolvimento do artigo, consideramos importante também destacar as áreas que não queimaram nas últimas 2 décadas (e que potencialmente abrigam espécies sensíveis ao fogo), mas que sofreram com incêndios entre os anos de 2019 e 2022. Cruzamos essas áreas com o mapa de espécies de plantas sensíveis e/ou ameaçadas de extinção. Dependendo da situação, estas áreas podem precisar de ações de enriquecimento de determinadas espécies mais sensíveis.
Trabalho em parceria
Assim que os mapas foram elaborados, eles foram imediatamente compartilhados com as autoridades competentes, como o Ministério Público Estadual, o PrevFogo do IBAMA e Comitê do Fogo do Mato Grosso do Sul, para que já pudessem ser utilizados na prevenção de incêndios na estação seca do ano de 2024.
Já os mapas de priorização de restauração pós-incêndio podem (e devem) ser utilizados para orientar a execução de projetos de restauração na BAP. Os dados estão disponíveis publicamente para quem quiser utilizá-los para fomentar a restauração no Pantanal.
Esse estudo deixa evidente como é relevante estabelecer parcerias para integrar as ações, auxiliando o Manejo do Fogo no Pantanal e a restauração em regiões que podem estar degradadas por incêndios recorrentes.
Por Paula Isla Martins, Bióloga e Doutoranda em Ecologia e Conservação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); Letícia Couto Garcia, Professora Adjunta 3, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); Liz Barreto Coelho Belém, Doutoranda em Meteorologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Renata Libonati, Professora Adjunta do Departamento de Meteorologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation