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Descoberto crocodilo fóssil com restos de outro crocodilo no abdomen

Fósseis do crocodilo predador e da presa encontrada na sua barriga

Um espécime antes desconhecido de crocodilo fóssil, com restos de outro espécime de crocodiliforme na cavidade abdominal, foi descoberto na região de General Salgado, no noroeste do Estado de São Paulo.
Esta é a primeira vez que conteúdos abdominais de crocodilos fósseis são inequivocamente identificados, evidenciando que esses animais às vezes devoravam indivíduos de outras espécies do mesmo grupo. Descrição detalhada do achado já se encontra publicada na revista científica PLoS One e pode ser acessada em http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0097138.

A descoberta é tema do mestrado de Pedro Lorena Godoy, que contou com Bolsa da FAPESP no Brasil e no exterior. Godoy foi orientado por Max Cardoso Langer, professor associado do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo no campus de Ribeirão Preto.
“Considero este um dos achados paleontológicos mais importantes realizados no país nos últimos anos, pois foi, em escala mundial, o primeiro registro confiável de conteúdo estomacal em crocodilos fósseis e a primeira evidência de predação entre diferentes espécies de crocodilos fósseis”, disse Langer à Agência FAPESP.

Os animais foram escavados de rochas da chamada Formação Adamantina, que se estende pelo Oeste Paulista e pelo Triângulo Mineiro, e são datadas do período Cretáceo, de cerca de 70 milhões de anos atrás. O predador, que teria aproximadamente dois metros de comprimento, recebeu o nome de Aplestosuchus sordidus (“abominável crocodilo guloso”).
Foi classificado no subgrupo dos baurussuquídeos, que englobava outras espécies de crocodilos carnívoros terrestres. Já a presa foi identificada como um indivíduo pertencente ao subgrupo dos esfagessaurídeos, animais de tamanho menor e dieta onívora ou herbívora.

Embora importante, a descoberta de uma nova espécie de crocodiliforme (grupo que inclui os crocodilos atuais e seus parentes fósseis) não constitui, por si só, um feito espetacular. Há vários registros de outras espécies do mesmo grupo na região. “A grande novidade foi mesmo a descoberta do conteúdo estomacal do animal”, afirmou Langer.
Vestígios desse tipo, descobertos anteriormente, encontravam-se de tal maneira alterados pelo processo digestivo que mal permitiam dizer que se tratava mesmo de restos de animais ingeridos pelos predadores.

Na descoberta atual, ao contrário, foram encontradas peças suficientemente íntegras e identificáveis. “Achamos quatro ossos do crânio e dentes, que são os materiais mais resistentes do esqueleto. E conseguimos classificar esses achados no subgrupo dos esfagessaurídeos”, disse Langer.
Além disso, esta foi a primeira vez que se constatou a predação de uma espécie fóssil de crocodiliforme por outra. Embora raro, esse tipo de predação é conhecido em alguns crocodilos da atualidade. É o caso do crocodilo marinho da Austrália, um réptil contemporâneo com mais de quatro metros de comprimento. Esse carnívoro – que devora todo tipo de animal encontrado em seu habitat, constituindo inclusive uma ameaça para os seres humanos – também pode se alimentar de crocodilos de água doce. Mas, entre os fósseis, tal predação intragrupal ainda não havia sido constatada.


O quadro acima, elaborado pelos pesquisadores e publicado no artigo da PLoS One, mostra os principais componentes da fauna de vertebrados da Formação Adamantina no período considerado. As figuras em preto correspondem a subgrupos de crocodiliformes. A de número 9 (baurussuquídeos) corresponde ao subgrupo do predador e a de número 14, ao da presa (esfagessaurídeos).

A figura 7 corresponde ao subgrupo dos trematocampsídeos, cujas características já eram praticamente idênticas às dos crocodilos atuais: focinho alongado com aberturas nasais projetadas para cima e patas curtas, traços anatômicos típicos de animais aquáticos. A comparação da figura 7 com a figura 9 permite perceber com facilidade as características predominantemente terrestres do predador agora descoberto: focinho mais curto com aberturas nasais para a frente e patas alongadas.

O quadro mostra também (em cinza) três tipos de dinossauros: um carnívoro bípede de grande porte (figura 1), um herbívoro quadrúpede de grande porte (figura 13) e um carnívoro bípede de pequeno porte (figura 15). Mas é curioso que, embora tais animais habitassem a Formação Adamantina, o número de fósseis de dinossauros encontrados até agora seja muito menor do que o de crocodiliformes.

Os pesquisadores ainda não têm uma explicação cabal para esse desequilíbrio. “Pode ser que tenha sido provocado por fatores ambientais ou por alguma vantagem adaptativa dos crocodiliformes em relação aos dinossauros”, conjecturou Langer. 

Fonte: FAPESP