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Conheça o animal vertebrado mais venenoso do mundo

Indígenas sul-americanos sabem das propriedades venenosas da rã há séculos

O relato é de 1825: no meio da quente e úmida floresta colombiana, um homem quase nu caminha silenciosamente entre as árvores, procurando sua próxima refeição. Ao avistar um macaco distraído, o caçador prepara sua zarabatana. Ele sabe que um único tiro será suficiente para abater o animal, já que a seta disparada está embebida em veneno.

O artifício é usado há séculos pelos caçadores indígenas sul-americanos para abater aves, macacos e outros animais pequenos dos quais se alimentam.
O veneno vem de rãs de cor amarelo vibrante e com poucos centímetros de comprimento, as Phyllobates terribilis.
Um único exemplar da espécie produz veneno suficiente para matar dez homens adultos – o que faz desse anfíbio provavelmente o animal vertebrado mais tóxico do mundo.


Minúscula e letal

Cor vibrante da rã ajuda a sinalizar aos predadores para se afastarem

Essa rã é apenas uma dentre várias espécies de anfíbios venenosos da família Dendrobatidae. Todos eles são pequenos, com comprimentos entre 1,5 centímetros e 6 centímetros.
Como essas belas e minúsculas criaturas conseguem ser tão letais e por quê?
Milhões de animais produzem substâncias tóxicas, mas a maioria deles não é venenosa. Isso porque para ser venenoso, um animal deve ser tóxico ao ser ingerido ou, em casos extremos, apenas tocado com os lábios ou a língua.

A Phyllobates terribilis mantém seu veneno em glândulas sob a pele. Qualquer pessoa imprudente que morder uma dessas rãs estará imediatamente em apuros.
Os demais animais da família são menos tóxicos, e apenas um punhado de espécies de Dendrobatidae representa um risco para o homem.

Bebês envenenados

Estudo mostra que rãs venenosas descendem de animais inofensivos

O processo de extração do veneno era assustador, como mostra outro relato, publicado em 1978: os indígenas pegavam as rãs na floresta e as prendiam dentro de uma vara oca; quando precisavam do veneno, seguravam o animal, atravessavam um pedaço pontiagudo de madeira por sua garganta até uma de suas pernas.
“O sapo ficava agitado e começava a transpirar veneno, especialmente nas costas, que ficava coberta por uma espuma branca”, afirma o texto. As setas eram mergulhadas nesse líquido, que se mantinha potente por até um ano.

A substância produzida pela rã se chama batracotoxina e provoca paralisia e morte quando entra na corrente sanguínea de algum ser vivo, mesmo que em doses pequenas. Ela pertence ao grupo dos alcaloides, encontrados em muitos animais e plantas.
Outra característica que torna essa espécie altamente temível é o fato de os girinos absorverem o veneno quando nascem, tornando-se tóxicos também, de acordo com um estudo publicado em 2014 por cientistas da Universidade John Carroll, em Ohio.

“Os alcaloides presentes nos filhotes são suficientes para dissuadir alguns potenciais predadores, além de protegê-los de infecções”, afirma Ralph Saporito, um dos autores do estudo.
Mas a principal arma dessas rãs para evitar serem atacadas é sua cor. Elas existem em uma variada gama – do branco e do negro ao laranja e o azul. Na natureza, as cores vibrantes geralmente são um sinal de alerta de que predadores devem se manter à distância.

Em um estudo publicado em 2001, Kyle Summers, da Universidade East Carolina, demonstra que as rãs que exibem as cores mais chamativas são também as mais tóxicas.
Outra pesquisa, realizada pela Universidade do Texas em Austin, em 2006, indicou que aves predadoras aprendem rapidamente a evitar essas rãs.

Uso em medicamentos

Claramente, ser venenoso é uma vantagem para esses anfíbios. Mas como elas se tornaram tão letais?
A família dos Dendrobatidae surgiu há cerca de 45 milhões de anos em algum lugar nas florestas do norte da América do Sul. “Naquela época, a maior parte do continente era quente e coberta de vegetação tropical, e os Andes não passavam de 2,5 mil metros de altura”, conta Juan Santos, cientista da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.
Segundo ele, o ancestral comum dessas rãs não era venenoso, nem colorido, nem pequeno. Mas há cerca de 30 milhões de anos a toxina evoluiu, algum tempo depois da linhagem ter se desenvolvido.

A equipe de Santos descobriu que essas rãs não fabricam seu próprio veneno, mas o absorvem dos insetos dos quais se alimentam, como formigas.
É possível que os antepassados da Phyllobates terribilis tenha começado a comer formigas tóxicas por acaso e começaram a acumular o veneno em seu organismo, apesar de ainda não estar claro como conseguiam resistir a ele.
Uma das hipóteses é que a rã desenvolveu um metabolismo acelerado, capaz de processar substâncias químicas rapidamente.

Mas por que essas rãs se tornaram tão venenosas? Afinal, muitos animais pequenos das florestas tropicais conseguem sobreviver de forma menos extrema, usando, por exemplo, a camuflagem.
Para Summers, pode ter sido um processo ocorrido durante a evolução da espécie ou apenas uma questão de acaso.
Seja qual for a verdade, hoje em dia as rãs não são as únicas que se beneficiam de sua toxicidade. Os neurocientistas estão estudando as substâncias presentes nelas na esperança de criar novos medicamentos, como analgésicos, estimulantes e anticancerígenos.

Fonte: BBC