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Será que humanos podem hibernar?


Depois de um passageiro clandestino voar da Califórnia para o Havaí escondido no compartimento do trem de pouso de um avião na semana passada, pesquisadores imediatamente começaram a se perguntar como ele conseguiu sobreviver às temperaturas congelantes e ao pouco oxigênio do compartimento despressurizado.
A teoria mais recente é que ele entrou em um estado de hibernação – uma situação totalmente plausível, se você quiser minha opinião.
Como eu sei disso? Bom, eu estudo o parente genético mais próximo dos seres humanos conhecido por hibernar. O único primata que faz isso, o lêmure anão de Madagascar, passa até oito meses do ano hibernando – um feito incrível, especialmente para um primata.

A hibernação é uma tática extrema de sobrevivência usada por alguns mamíferos que vivem em ambientes sazonais quando recursos desaparecem e ameaçam sua existência durante o inverno. Esse desvio radical da fisiologia normal envolve uma gama inteira de sistemas corporais: a frequência cardíaca quase para, a temperatura corporal despenca até níveis de congelamento, ou abaixo deles, e a atividade cerebral praticamente cessa. Animais em hibernação parecem mortos.

Quase

A frequência cardíaca de um lêmure anão ativo é de aproximadamente 180 batidas por minuto, mas durante a hibernação ela pode chegar a quatro. A temperatura corporal, que normalmente fica em torno de 36 graus Celsius, pode despencar para gélidos 5 graus Celsius. E, recentemente, eu testemunhei um lêmure anão em hibernação ficar 21 minutos sem respirar. (Alerta: Não tente fazer isso, a menos que você esteja escondido no trem de pouso de um avião).
Muitas das mudanças fisiológicas que acontecem durante a hibernação seriam fatais para espécies não-hibernantes. Mas lêmures anões dominam essas mudanças com sucesso durante a temporada de hibernação, ano após ano.

Essa fisiologia estranha é exibida por um animal que compartilha cerca de 97% de nosso genoma. Mas aqui está a primeira pegadinha: como o clandestino do Havaí demonstrou, humanos podem já ter os mecanismos que conferem a habilidade de hibernar presentes em seu genoma.
Biólogos especializados em hibernação acreditam que essas modificações extremas da fisiologia normal se devem a mudanças fundamentais da expressão gênica. Como analogia, imagine uma lâmpada muito sofisticada. Essa lâmpada exige que vários interruptores sejam ativados para que ela comece a emitir luz, e apenas a combinação correta de interruptores ativa a lâmpada. A lâmpada desse exemplo é a resposta de hibernação (ou seja, se ela está ligada, o animal está hibernando) e os interruptores são os genes envolvidos.

Aqui está um exemplo para colocar isso no contexto da hibernação do lêmure anão: antes de hibernar, os lêmures anões engordam. Tornam-se excessivamente gordos. Tão gordos quanto conseguem ficar com os recursos alimentares disponíveis. Às vezes eles mais que dobram seu peso corporal em aproximadamente um mês. E eles armazenam essa gordura em suas caudas.
Durante a estação de chuvas seu habitat fica repleto de comida, e os animais se entopem de frutas e insetos – seu metabolismo normal de carboidratos processa tudo. Os genes que ativam o metabolismo de carboidratos estão ativados. Então a estação de secas extremas chega, e os recursos desaparecem. Os lêmures anões entram em hibernação e, como eles só podem depender da gordura armazenada em suas caudas, a combinação de genes que governa o metabolismo de gorduras é ativada. Isso leva à quebra das reservas de godura, que abastecem o corpo durante o jejum.

No início dos anos 90, cientistas investigando mudanças bioquímicas durante a hibernação de esquilos – uma espécie de laboratório que serve como modelo de hibernação – documentou o primeiro gene que exibia diferenças em seus níveis de expressão entre o estado de esquilos ativos e o de esquilos em hibernação profunda. Esse gene, o Alfa-2-Macroglubulina (α2M), que serve para inibir a coagulação do sangue, apresenta níveis mais altos de expressão quando um animal está hibernando se comparado ao estado ativo do animal. Isso é especialmente importante para a sobrevivência durante a hibernação, porque a circulação quase cessa devido à redução da frequência cardíaca, o que aumenta o risco potencial de coágulos sanguíneos fatais quando a circulação desacelera.
Lembra das aulas de química, onde você aprendeu que quanto menor a temperatura, maior o tempo de reação? Bom, quando a temperatura corporal cai para alguns graus acima do congelamento durante a hibernação, seria natural que processos celulares e fisiológicos fundamentais desacelerassem em resposta. Segunda pegadinha: eles não desaceleram!

A descoberta de que genes específicos, como o α2M, aumentam sua expressão durante a hibernação em vez de diminuí-la como esperado significa que reações celulares ainda acontecem apesar das geladas temperaturas corporais. Isso indica que essas moléculas devem ser importantes para a sobrevivência durante a hibernação. Genes expressados de maneira diferente poderiam fornecer pistas vitais sobre funções metabólicas que são imperativas para sobreviver durante a hibernação, como abastecer um animal unicamente através do metabolismo de lipídios.
Usando tecnologias de sequenciamento genético da próxima geração para examinar o genoma inteiro em busca de mudanças na expressão gênica que se pareçam com “fisiologia entrando em curto”, biólogos especializados em hibernação podem fazer comparações entre espécies hibernantes e verificar se genes semelhantes e rotas genéticas estão respondendo. Terceira pegadinha: padrões semelhantes são observados em esquilos, ursos negros e pequenos morcegos marrons – espécies hibernantes que representam grande parte da árvore genealógica dos mamíferos.

Nós ainda não sabemos se esses padrões se aplicam a todas as espécies hibernantes. Mas descobertas comparáveis em espécies de mamíferos com parentesco distante sugerem que todos os mamíferos, incluindo humanos, podem já ter os genes necessários para hibernar. O próximo passo é observar os mecanismos gênicos que regulam a hibernação de lêmures anões, nosso primo hibernante mais próximo.
Pesquisas futuras usando modelos animais (como lêmures anões que podem sobreviver a mudanças fisiológicas extremas durante a hibernação) podem levar a avanços em tratamentos médicos para melhorar a condição humana.

Desvendar, por exemplo, os mecanismos que fazem tecidos periféricos suportarem a falta de fluxo sanguíneo durante a hibernação pode levar a tecnologias melhores para proteger o cérebro durante um AVC ou alguma forma de trauma. Descobrindo como animais hibernantes evitam a atrofia após não usar seus músculos durante oito meses hibernando, pesquisadores podem melhorar a vida de humanos imobilizados ou acamados. Compreender como animais em hibernação conseguem usar unicamente a gordura de suas caudas como combustível de fato trará benefícios imediatos para a compreensão da obesidade e de outros transtornos metabólicos.
Por fim (e isso é o mais empolgante para viciados em ficção científica, como eu mesma), descobrir maneiras de induzir um estado de hibernação em seres humanos pode tornar possível viajar para galáxias distantes, como em filmes populares de ficção científica, como Alien e Prometheus.

Quando o assunto é voar pela Terra, porém, uma passagem para a classe econômica ainda é a melhor opção.