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Ferro de relíquias egípcias veio do espaço

Descoberta sugere influência do céu na religião antiga e explica artefatos do metal anteriores ao domínio de técnicas de fundição

A conta de Gerzeh (acima) tem áreas ricas em níquel, coloridas de azul em um modelo virtual (abaixo), que indica origem meteorítica. A descoberta explica a capacidade de produzir artefatos de ferro dos egípcios antigos milênios antes das evidências mais antigas de fundição do metal.

A conta de cinco mil anos de idade pode não parecer muita coisa, mas ela esconde um passado espetacular: pesquisadores descobriram que um antigo objeto egípcio foi produzido a partir de um meteorito.
O resultado, publicado em 20 de maio na Meteoritics & Planetary Science, explica como egípcios antigos obtinham ferro milênios antes das evidências mais antigas de fundição de ferro na região, solucionando um antigo mistério. Isso também sugere que eles tinham meteoritos em alta conta quando começaram a desenvolver sua religião.
“O céu era muito importante para os egípcios antigos”, declara Joyce Tyldesley, egiptóloga da University of Manchester, no Reino Unido, e coautora do artigo. “Algo que cai do céu é considerado um presente dos deuses”.
A conta, que tem forma de tubo, é uma das nove encontradas em 1911 em um cemitério em Gerzeh, cerca de 70 quilômetros ao sul do Cairo. O local é de aproximadamente 3300 a.C., o que transforma as contas nos artefatos de ferro mais antigos conhecidos do Egito.

Um estudo de 1928 descobriu que o ferro nas contas tinha uma grande quantidade de níquel – uma assinatura de meteoritos de ferro – e levou à sugestão de que ele tinha origem celeste. Mas acadêmicos argumentaram na década de 80 que uma fundição acidental poderia ter originado ferro rico em níquel, e uma análise mais recente de material oxidado na superfície das contas mostrou baixa quantidade de níquel.
Para encerrar a discussão, Diane Johnson, cientista especializado em meteoritos da Open University em Milton Keynes, no Reino Unido, e colaboradores, usaram microscopia eletrônica e tomografia computadorizada para analisar uma das contas, emprestadas do Museu de Manchester.
Os pesquisadores não puderam cortar o precioso artefato, mas encontraram áreas em que a superfície gasta havia se perdido, fornecendo o que Johnson descreveu como “janelas” para o metal preservado abaixo.

A microscopia mostrou que o conteúdo de níquel de seu metal original era alto – até 30% – sugerindo que ele de fato veio de um meteorito. Apoiando o resultado, a equipe observou que o metal tinha uma distinta estrutura cristalina chamada de padrão de Widmanstätten. Essa estrutura só é encontrada em meteoritos de ferro que se resfriaram de maneira extremamente lenta dentro de seus asteroides durante a formação do Sistema Solar.
Usando tomografia, os pesquisadores construíram um modelo tridimensional da estrutura interna da conta e descobriram que os egípcios antigos martelavam um fragmento de ferro do meteorito até que ele se tornasse uma placa fina, e depois curvando-o em um tubo.

Presentes dos deuses

A primeira evidência da fundição de ferro no Egito antigo aparece no registro arqueológico do século 6 a.C. Apenas um punhado de artefatos de ferro foram descobertos na região antes disso: todos vêm de túmulos de de pessoas de elevado status, como o do faraó Tutancâmon. “O ferro era muito fortemente associado à realeza e ao poder”, explica Johnson.
Acreditava-se que objetos feitos de um material tão divino garantiam a seu portador passagem prioritária para o pós-vida.
Campbell Price, curador de Egito e Sudão do Museu de Manchester, que não participou do estudo, enfatiza que pouco se sabe sobre as crenças religiosas dos egípcios antes do advento da escrita. Mas ele aponta que, durante a era dos faraós, acreditava-se que os deuses tinham ossos feitos de ferro.
Ele especula que meteoritos podem ter inspirado essa crença, com as rochas celestiais sendo interpretadas como restos mortais de deuses caindo na Terra.
Johnson confessa que adoraria verificar se outros antigos artefatos egípcios têm ferro de origem meteorítica – se ela conseguir permissão para estudá-los.

Fonte: Scientific American Brasil